Sopro de Mercúrio (Cont. Larva e Borboleta)
- 11 de ago. de 2020
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- Fot, meu pequeno! Mas que alegria! - exclamou seu tio. Que notícia boa o oráculo te deu na noite passada! Está destinado a ser um grande sábio! Todos da vila te veneram! Precisamos comemorar! Venha conosco, todos te esperam para um banquete de boas-vindas ao mais novo sábio!
O garoto, pensativo e cabisbaixo, parecia não ter ouvido nada do que seu tio falou. Ele apenas se aproximou, respirou fundo e começou a falar.
- Tio, por favor, cancele a festa. Não irei. Pensam estar venerando uma borboleta, mas de fato adoram apenas uma pequena larva.
- Mas que besteira, meu filho, vem e comemora conosco! – respondeu sua mãe.
- Fiquei muito feliz, me senti grande, forte e poderoso quando o oráculo disse que eu era o escolhido dos deuses, mas refleti e agora sei. Meu ego se inflou e pensei que bastava existir para me santificar. Como fui cruel... Como fui cruel com a Sabedoria. Como pude imaginar que a sabedoria mereceria alguém que se mantivesse na inércia, na mediocridade? Cancelem a festa, pois não sou de fato sábio, por isso não há o que comemorar. Preciso me tornar aquilo que meu destino merece.
Seus parentes se fitaram sem compreender exatamente o que acontecia, enquanto isso Fotisméni se retirou pelos fundos de sua cabana, rumo à floresta. Ele estava decidido a voltar para a Vila apenas quando alcançasse a sabedoria, por isso resolveu se isolar. Seu primeiro passo, logo de início, foi meditar no topo de um morro.
Por mais que o garoto tentasse meditar, não conseguia. Sua mente vagava e vagava... Nada lhe tranquilizava. Foi então que resolveu abrir os olhos e observar a natureza. Viu ao seu redor o vento bater nas árvores, observou um lobo caçar um cervo, também presenciou a marcha de formigas... Tudo parecia tão sincronizado, tão perfeito. Cada movimento levava a outro, não havia ação que não provocasse uma reação, mas parecia tudo tão natural. Ali a natureza reinava, não havia nada que quebrasse o Ritmo.
- Tudo tranquilo... Não há erro, pois não há consciência que quebre o ritmo desse lugar e que cause a mínima desordem. Como será fácil ser justo, bom, fiel, correto. Não há desafio às minhas virtudes, não há desordem. Me isolar vai me trazer paz e tranquilidade, mas seria eu um sábio por ser pacífico e tranquilo na ordem e no equilíbrio natural, em um ambiente pacífico e tranquilo, ou seria eu sábio por ser pacífico e tranquilo em meio ao caos, à guerra e às vicissitudes? – pensou Fotisméni.
Após alguns minutos de reflexão, o jovem resolveu voltar para sua casa. Chegando lá, encontrou seus tios e sua mãe ainda se perguntando o que deu nele e como avisariam a todos que não haveria festa. Logo que entrou, Fostisméni já chamou atenção de todos.
- Desculpem meus péssimos modos... Estava confuso. Vamos à festa, adorarei festejar convosco.

Todos se alegraram, apesar de que nada entenderam acerca do que acontecera tão rápido, com tantas mudanças repentinas de vontade. Mas nada disseram, afinal, o oráculo havia julgado o garoto um sábio. Enquanto seguiam pelo caminho da festa, o jovem terminava seu raciocínio.
- Se estou aqui e assim funciona o meu mundo, com as pessoas ao meu redor, é nele que devo intervir, a todo o momento, sem me deixar sujar por aquilo que considero impróprio. Não devo negar a sociedade nem seus modos, mas participar e, participando, me tornar digno de propor a mudança. Que meu exemplo sirva, não como vindo do distante céu, mas da próxima terra. Que eu não seja o sábio reconhecido como aquele com quem todos se consultam, mas que eu seja o sábio invisível, que vive em meio a todos e pelo exemplo e pelas palavras silenciosas, sopre como a brisa aquilo que os Deuses chamam de pureza. Que eu seja para todos que cruzarem meu caminho, como a borboleta e a intuição da natureza para mim também o foram, um sopro de Mercúrio.
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