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A pedra no caminho

  • 12 de jan. de 2021
  • 6 min de leitura

Era uma tarde ensolarada, porém com um vento muito intenso, o que fazia com o ar ficasse extremamente seco. As folhas das árvores se mexiam bastante e até as águas de um lago próximo faziam leves ondulações. Em meio a uma montanha, havia um mosteiro, onde, na sala principal, estavam apenas um mestre e um discípulo.


- Mestre, hoje quero entender o porquê das dificuldades...


- Dificuldades? Pode ser mais específico?


- Sim... Quero entender o porquê acontecem coisas que nos deixam tristes, que frustram nossos planos, que corroem nossos sonhos...


- Eu poderia lhe responder que te falta fé, mas essa resposta não bastaria, bastaria?


- Não, mestre... Estou inclinado a pensar que existe o mal e que ele a todo momento nos ataca, nos reprime e tenta nos derrubar.


- Hum... Pois veja, o mal de fato não existe, mas não vamos falar sobre isso agora. Existem ações que nós consideramos más porque nos causam um efeito imediato que é negativo para o nosso ego, vamos pensar nessas ações. Você tem um prato, ele está cheio de comida. Eu tenho um prato também, que, no entanto, não possui nem metade da comida do seu prato. Além disso, quero comer batatas e somente o seu prato as possui. Eu pego uma batata do seu prato. Cometi uma má ação, segundo seus desígnios?

- Por certo que sim, mestre! Pegou uma coisa que não era sua.


- Bom, mas e se você não estivesse com tanta fome, mas tivesse toda essa comida, já eu, por outro lado, não tenho quase nenhuma comida e estou faminto. Não seria isso uma tendência ao equilíbrio natural, talvez?


- Mas mestre, se você tivesse pedido ao invés de pego a batata, eu te daria e ficaria tudo bem!


- Exato, vamos começar por aí, muito bem. O que você disse é verdade, mas agora transcendendo a ideia da batata para outras ações, você compreende que para controlarmos um equilíbrio natural que o instinto tenta impor nós precisamos, antes de tudo, ser educados e evoluir como seres humanos? Uma das tarefas e do caminho da humanidade é dominar, controlar os nossos instintos ao invés de sermos controlados por eles. A vida se tornaria mais fácil. Não é, muitas vezes, que a pessoa queira te fazer mal, ela apenas segue um instinto rumo ao equilíbrio natural; porém, por não ter tido nenhum tipo de educação mais elaborada e muito menos filosófica, essa pessoa vai agir exclusivamente sob a égide de seus instintos, o que tornará sua ação desagradável e potencialmente possível de ser taxada de má. Existiam outros caminhos, mas ela não os vislumbrou.


- Bom, mestre... Me parece até possível que aconteça isso que o senhor me ensinou, por isso agradeço muito. Mas e quando a pessoa intencionalmente causa o mal, te fere, te maltrata, muitas vezes por pura diversão, sem intenção de ter nenhum tipo de benefício?


- Veja, essa ideia de que a pessoa não está tendo nenhum tipo de benefício é cega. Se não tivéssemos nenhum tipo de benefício, provavelmente mais de um terço da humanidade sequer sairia de suas camas. Existem sim benefícios, mesmo que não sejam aparentes.


- E quais são? – disse o discípulo, interessado.


- Vou citar alguns, mas não quer dizer que se encerre aqui. Eles servem apenas para que você abra sua mente. Existem pessoas cuja história de vida as tornou muito pequenas, extremamente diminutas e fragilizadas. A resposta dessas pessoas perante a vida foi, talvez, inusitada: elas fizeram o oposto e se demonstram extremamente fortes e arrogantes. Se vestem de uma máscara que não reflete a realidade de si mesmas. Para que elas possam afirmar a própria identidade criada, para si e para outros, elas precisam inferiorizar outras pessoas, pois esse se torna o único meio de dizer: estou aqui e sou muito bom. São pessoas que se perderam e que precisam de ajuda, muita ajuda. Elas sequer sabem quem são, usaram tantas máscaras que estão perdidas em identidades criadas para mostrar um poder ilusório sobre algo, que é sempre ratificado impondo-se sobre outras pessoas. Esse é o “benefício”, é um “benefício” para si. Claro que de fato isso não vai lhes fazer bem, mas dentro da perspectiva dela do que é bom, diminuir outras pessoas vai hipoteticamente torna-las mais fortes.

- E se as coisas ruins forem de fato muito ruins? Por exemplo, e se uma pessoa matasse alguém? Qual o benefício?


- Como te disse, é complicado encerrar todas as possibilidades, mas mesmo ao assassinar alguém ela busca algum benefício. Pode ser que queira roubar algo, pode ser que tenha recebido algo para cometer tal ato, pode ser, ainda, por mais que nos pareça distante, que ela sinta simplesmente prazer em fazer isso.


- Compreendo... Bom, posso então, ao menos, apesar de entender que na maioria das hipóteses a história de vida da pessoa influencia muito, concluir que quem fizer algum ato maldoso por prazer é mal?


- Não. Isso não pode ser concluído porque também são pessoas que no decorrer de sua vida ou de suas vidas misturaram situações, confundiram a ideia de amor, enfim, são pessoas ainda afastadas do Grande Amor Universal. É claro que as palavras maldade, má, etc, são palavras com origem na língua dos homens, então se quiser chamar essas pessoas disso, tudo bem. Mas saiba que não existe uma energia do mal. Existe a ausência da energia do bem. O vazio sem preenchimento na virtude.


- Mas e quanto às vidas, às oportunidades e tudo mais que essas ações retiram de outras pessoas?


- É exatamente por isso que eu lhe disse que a resposta poderia ser que te falta fé. Saiba que haverá a tormenta, mas ai de quem causa-la.


- O que o senhor quer dizer com isso?


- Quero dizer que esses atos que você chama de maus sempre existiram, mas que quem causa-los será “punido” conforme seus atos. Essa é a lei de Deus. Assim como nada vai lhe acontecer fora do tempo. Não é como se você não tivesse livre arbítrio e tudo lhe fosse premeditado, mas os acontecimentos seguem um equilíbrio divino específico que não permite que algo que você não mereça aconteça com você. O que ocorre é que muitas vezes olhamos para nossas vidas com um pensamento muito limitado do ego, focados em uma única existência, em apenas essa oportunidade, no apego às coisas e às pessoas e nos esquecemos de olhar para aquele Ser que é a fonte e o fim de tudo, Deus, em quem devemos ter Fé. Simplesmente existem coisas na vida que não podemos controlar. Agora me responda você, se você descobrisse que há de fato o mal e que está por aí e algumas pessoas são más, o que você faria?


- Hum... Talvez tentaria evita-las... Não sei... Ficaria mais atento...


- Sempre esteja atento. Como disse o Mestre Jesus, seja manso como as pombas, mas astuto como as serpentes. Sim, procure evitar pessoas que te fazem se sentir de forma inferiorizada, te menosprezam e não te deixam bem. Isso você deve fazer sempre. Vê? Nada muda. Agora se você me dissesse que vai iniciar uma guerra contra o mal, aí eu teria que te perguntar: sua essência é guerrear?

- Você faz umas perguntas difíceis...


- Sim, não são fáceis. Veja... Se nós começarmos a deixar que a conduta dos outros molde a nossa conduta e o nosso jeito de ser, não estaremos sendo de verdade. Ser de verdade é ser a todo momento. Se você, que estuda contra a violência, começar a praticar a violência contra pessoas que julga serem más, está justificando uma atitude violenta sua no outro. Isso não é evolução ou defesa, é hipocrisia.


- Mas mestre, dizem que existem seres das trevas que querem tomar a Terra.


- ... – o mestre deu um leve sorriso, olhou para o teto, abaixou sua cabeça e continuou. Talvez existam mesmo esses seres. Sabe o que eu acho? Podem ficar, a Terra é de vocês. Você percebe o grau evolutivo de alguém conforme a espécie de apego que essa pessoa possui. Isso é um apego material. É claro que se ficassem apenas seres “malignos” em um planeta eles não sobreviveriam, afinal, eles precisam dos outros seres para justificar sua existência, já que se torna vazio se não tiverem contra quem praticarem seus atos. Te digo, meu querido discípulo, se a Terra fosse um pequeno formigueiro dentro dela, o planeta todo seria o universo. Ou seja, enquanto temos a Terra toda para explorar – o universo todo -, por que nos preocuparíamos com um formigueiro – com a Terra? Quem busca o crescimento tem essa vontade de explorar, crescer, conhecer, desbravar. Já esses espíritos dos quais fala... Bem... Eles na verdade buscam um lugar no qual consigam atingir a liderança, manipular as massas e exercer seu ego grande e orgulhoso. Eles não querem crescer, nem nada disso... Querem apenas dominar outros seres. Essa é a razão pela qual simplesmente não abandonamos a Terra: não podemos deixar nossos irmãos menores serem dominados. Por outro lado, se o problema fosse o planeta, que fiquem com a Terra, existe todo um universo. Ocorre que não é sobre a Terra, mas sobre os habitantes que nela residem. Compreende?


- Muito obrigado mestre... Meditarei sobre suas palavras, vão ajudar muito no meu entendimento.

Enquanto o discípulo reverenciava seu mestre, ele se levantou e, fazendo um sinal de positivo com a cabeça, saiu do cômodo rumo a outro lugar qualquer do mosteiro.


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