O toque azul da borboleta
- 1 de dez. de 2020
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Era uma tarde ensolarada em um parque da cidade. Lá estavam muitas crianças a correr e se divertir. Muitas famílias estavam aproveitando a beleza da natureza para descansar e conversar. Em meio a todas essas pessoas, uma jovem estava sentada sozinha em um banco, admirando a natureza e suas belezas.
Um garoto se aproximou dela, curioso, já que a jovem parecia às vezes ter um olhar perdido e virava a cabeça a todo momento para observar tudo ao seu redor. Assim que o garoto se sentou e cumprimentou a jovem, ela se assustou, como se não tivesse notado a aproximação dele, apesar de que o garoto tinha certeza que ela o havia visto se aproximar por várias vezes.
Uma borboleta, de cor amarela, pousou repentinamente na mão esquerda da jovem e ela sussurrou: “mas que toque azul”. Curioso, o garoto não se aguentou e logo um diálogo se iniciou.

- Ei... Você disse toque azul, o que é exatamente isso? Essa borboleta é amarela...
- É que eu sinto em cores...
- Sente em cores? Como é?
- Tudo o que acontece comigo eu visualizo como se fosse uma cor... E o toque dessa borboleta é azul.
- Um toque... Azul... Como é um toque azul?
- Um toque azul é aquele que te traz paz, te traz a sensação de tocar o céu com a leveza de uma criança. Traz a equanimidade e a paz das águas, o cheiro do tempo úmido quando está trazendo a chuva. Um toque azul nos dá liberdade para abandonar nossa angústia e abraçar a tranquilidade... Esse é um toque azul.
Assustado, o garoto não sabia o que responder. Como poderia? Se a borboleta encostasse nele, seu sentimento seria apenas de um simples e leve toque. Por que a jovem tinha tantas sensações com o toque daquele ser?
A jovem, notando a confusão que se passava dentro da cabeça do garoto, sabia que eram raras as pessoas que sentiam por cores, no entanto a diferença não era apenas essa. Ela havia aprofundado a sua percepção sobre tudo e amplificado a sua relação com as coisas mais próximas.
O cerne de tudo não estava em sentir com cores como símbolos, mas em prestar atenção em cada detalhe ao redor, porque tudo tem importância. A brisa de uma ventania, o mexer das águas, cada planar de uma pluma, tudo para ela havia ganho um outro significado. Sua relação com as coisas era diferente, mas como ela poderia dizer isso ao garoto?
- Veja... Eu sei que parece confuso. Sentir com cores não é uma coisa comum, assim como existem pessoas que atribuem notas musicais a odores. Mas a questão não é exatamente essa. É muito mais profunda do que parece. Antigamente eu olhava para o mundo olhando, na verdade, para mim. Então eu prestava atenção apenas nas coisas que me diziam respeito e naquilo que gerava algum tipo de sentimento em mim. Eu somente me atentava àquilo que me feria ou que me trazia um impulso alegre muito forte. Isso foi fazendo com que eu me acostumasse a coisas boas que as pessoas faziam comigo e não me sentisse grata. Assim, me voltei aos detalhes e comecei a perceber que eu perdia muito do mundo. Comecei a notar que sempre existem milhões de coisas acontecendo e que nós as percebemos da nossa forma. Algumas pessoas vão odiar a chuva que vem, outras vão adorá-la. A chuva é a mesma. A diferença está na forma como olhamos pras coisas. O toque dessa borboleta, para a maioria das pessoas, talvez signifique um incômodo. Para mim, causa uma série de sensações, porque eu me entrego ao momento de sentir o toque da borboleta. Estou presente, essa é a diferença. Estou presente em cada pequeno momento e tento não deixar passar nenhum tipo de coisa que acontece... Isso me deu uma visão totalmente diferente do mundo e mudou minha forma de pensar completamente.
Assustado, o garoto permaneceu sem responder nada. Ele prestou atenção a cada palavra da jovem, mas ele não conseguia compreender na totalidade, no entanto ao mesmo tempo aquelas palavras reverberavam muito dentro de si, como se fossem de uma tremenda importância.
A jovem, ciente do que acontecia, disse ao garoto que pensasse naquelas palavras, para que, aos poucos, conseguisse também estar mais presente no mundo. Assim ela se levantou e saiu, rapidamente desaparecendo em meio às pessoas que estavam no parque. O garoto ficou no banco, sozinho, pensativo, em busca de sentir, também, o toque azul da borboleta.
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Fantástico Rod !!!