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A Dor

  • 22 de dez. de 2020
  • 3 min de leitura

Ao propor-me a escrever sobre a dor veio o primeiro embaraço: será que das dores que já senti, físicas e psíquicas, alguma delas de fato me garante a possibilidade de falar sobre a dor? Quero dizer, estaria eu apto a dizer o que é a dor se acaso não a tivesse verdadeiramente sentido? Mas teria alguém verdadeiramente sentido a dor?


Como um bom filósofo, sei que esse tipo de pensamento, por agora, não me levaria a lugar algum. Por outro lado, também como um bom filósofo, sei que se acaso não conseguir falar sobre a dor em si, que eu possa ao menos falar sobre a dor para mim. O que não posso deixar é de falar.


Apesar da vontade de escrever, agora, sobre o porquê não posso deixar de falar, vamos nos ater à dor. A dor, no início de minha vida, até uns 12 anos, tinha um significado singular e específico: sofrimento. Singular porque aparentemente o sofrimento, até então, não vinha de outro lugar senão da dor; não havia ainda descoberto que o sofrimento por preceder a dor. Específico porque a dor me parecia ligada ao sofrimento; não havia pensado sobre outras nuances da dor.


Cresci e descobri que a dor tem vida fora do sofrimento – e o sofrimento vida fora da dor. Compreendi, por diversas vezes, inclusive colocando meu próprio corpo à prova, que não necessariamente preciso sofrer diante da dor. Aos poucos fui dando um significado mais profundo e complexo ao sofrimento – e mais simples para a dor.

A dor, seja física, seja psíquica, me parece algo especificamente ligado à nossa personalidade. Por personalidade quero dizer exatamente aquela palavra que deriva da grega persona, máscara; a dor me parece intrinsicamente ligada com nossa máscara.


Por outro lado, o sofrimento parece algo que criamos além da máscara e que pode até controla-la. É outro ser que criamos e alimentamos dentro de nós, além de nós. Em outro momento podemos falar dele, mas vamos focar na dor.


Aos poucos compreendi que a dor física inevitavelmente vai acometer meu corpo algumas vezes, a dor psicológica também. Frustrações virão, geraram dores, eventos acontecerão, gerarão dores; mas entendi que essa dor não precisa ser convertida em sofrimento, pelo contrário: há como converter em crescimento.


Ao invés de sofrer em prol da dor, podemos dar um sentido de aquisição de experiência, de crescimento, assim compreender que aquilo que nos acomete não toca, de fato, nosso Ser em essência. Essa compreensão foi um evento importante e uma “virada de chave” com relação à existência.


Aceitar e conhecer a ideia de que existe um Ser presente em mim, correspondente ao meu verdadeiro Eu, que não se frustra com a dor, me fez de alguma forma deixar de criar um mundo de sofrimento. Compreendendo a natureza do meu Ser, pude anular, de alguma forma, a existência do sofrimento.

Como já falei, não necessariamente o sofrimento vem da dor, já que ele pode ser uma criação pretérita a ela, uma vez que o ato de sofrer, por incrível que pareça, é alimentado por nós mesmos. Encontraremos pessoas que acreditamos estarem sofrendo, mas após conhece-las veremos que não: nós é quem idealizamos aquele sofrimento.


Mas quando se ressignifica a dor e compreende que existe um Ser eterno que não necessariamente deveria se frustrar com trivialidades (anicha - impermanência), o mundo se torna um lugar diferente – e sem sofrimento. A dor não acabará, já que a dor é do mundo.


Existem as nobres verdades, talvez importante citar a primeira: viver é sofrer. Eu jamais seria capaz de discordar disso, no entanto creio que damos significados diferentes para a palavra sofrimento, principalmente tendo em vista que as nobres verdades foram traduzidas – muitas vezes – até chegar na nossa língua.


Preciso terminar esse texto, mas não gostaria de fazê-lo sem deixar questionamentos filosóficos, por isso devo dizer, que mesmo depois de tudo o que foi dito: a dor é uma ilusão, pois é do mundo das ilusões, já o sofrimento é real, pois é criado e alimentado pela nossa mente.


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